Toda história fala de morte. Porque toda história fala de vida.
Toda história escrita se preza como um trabalho, um benefício à humanidade, pois nos ajuda a compreendermos a nós mesmos. As nossas lutas, nossas dificuldades, fragilidades, alegrias, relacionamentos, organização política. Os nossos sonhos, pesadelos, nossos medos, nosso espectro emocional. A caveira de quem somos. A vida que construímos individualmente e como mundo.
E toda vida tem a morte. E , talvez, todas as vidas tenham muitas mortes. Pessoas que morrem e nos deixam. Pedaços de quem somos que se acabam. Ilusões que se desintegram na nossa frente. Ideologias chacoalhadas e até substituídas. Paixões apagadas ou apenas trocadas. A morte dos nossos direitos. Quando morrem nossos desejos.
Você pode temer. Desdenhar. Admirar. Ou até desejar. Seja como for, ELA sempre está a nossa espreita, rondando o imaginário do ‘deixar de existir’. Se você pegar o livro que está lendo agora, provavelmente, vai conseguir destacar um punhado de mortes nele. Pode ser da loira irresistível perto do trem. Da vizinha da Kate. Da casa vazia, sem mais festas luxuosas, apenas com a piscina de Gatsby. Da travessia de um filho no grande sertão ‘Veredas’. De uma irmã na BR 376 em um dia nublado. Ou de um pai após um terremoto em Nova Jerusalém.
Os personagens estão sempre indo e vindo. E ainda que seu protagonista, predileto (mesmo que você tenha torcido, vibrado, implorado por outro desfecho) morra; a história tem que continuar. É o teste ao nosso limite. Pra seguir. E ler novos diálogos. Quem sabe com nossas próprias mortes.
Porque quando você lê a morte de um personagem, ou na história existam perdas semelhantes a suas, é como se a sua dor fosse acolhida; suas dificuldades, ouvidas; suas angústias, divididas. E aí, talvez, você consiga ver na morte inventada de uma história, um pouco das sombras da sua vida. E então… Ah, então você pode ser capaz de se aconchegar um pouco mais e continuar a criar o seu mundo. A ler (suas) outras histórias.
“A morte é a sombra da vida, como irmãs siamesas.”
* texto: Kelly Shimohiro e Dany Fran